terça-feira, março 22, 2005

Pequenas notas

Tudo bem que sou a favor da ambiguidade, mas não exageremos, existem aqui demasiados equívocos para eu me deitar de consciência limpa.

1.

"ele afirma que sendo o homem um animal racional ele é por defeito um ser organizado e como tal a sua inteligência impede que ele se corrompa na desordem. Dificilmente poderia estar em mais desacordo.
"


Não disse isso. Segundo a teoria da entropia, o NATURAL deteriora-se. Mas o mundo não é só feito de natureza, é também ARTIFICIAL. O artefacto é ordem, é beleza, é objecto criado, consubstanciado, significado. Ícone. Arquitectura. Sentido!


Claro que podes dizer que nem todos os artefactos são significativos, que existe muito lixo, eu respondo-te que Deus é raramente atingível, só se consegue atingir a transcendência em pontos muito raros durante uma concentração, trabalho, dedicação, amor até, etc, etc, e quanto mais estes significados conter, maior o trabalho será. Inversamente, quanto mais banal, mais entrópico.


Daí o cuidado a termos com o sexo ou com outros prazeres... se os baanlizarmos, eles tendencialmente perderão significado! O que seria do sexo se ele não fosse difícil de obter?!?


Daqui conclui-se muito precisamente que todo o acto significante do Homem é ritualizado. São esses momentos que marcam a memória humana, e é a eles que retornamos sempre que quisermos retomar a ordem...


2.


"Se a alguns anos era verdade que a terra era plana hje é bem sabido que ele é redonda" etc.

Cresce caramba! O que existem são sistemas de representação. A realidade é em si inatingível. Não é uma questão de repressão e prisão intencional do Homem contra o Homem, é uma questão de a realidade ser ela própria irrepresentável pelo Homem. A única coisa que nós conseguimos fazer dela são desenhos.


Ler Kant. Rápido.


3.


"acho que a destruição tb é um processo de criação, é preciso colocar tudo em duvida e começar tudo de novo, para que algo verdadeiramente novo apareça…"


Primeiro, nunca colocar tudo em dúvida. Além de isso ser impossível, é irrazoável tentar fazê-lo. Não só perdes a tua cabeça, pois começas a dar contigo desconfiado de TUDO, como bloqueias a tua mente e ficas em branco. Formataste a tua cabeça e esqueceste-te sequer do que é que querias afinal fazer...


A novidade aparece sempre da evolução do antigo, ou se quiseres, da reedição do antigo segundo uma nova conjuntura. As novas ideias são sempre antigas usadas noutros contextos. Por isso é que eu digo que dar ordem é LEMBRAR. É um problema de memória. Daí a importância dos monumentos: eles lembram-nos quem SOMOS, para daí construírmos o nosso mundo.


"já foi tudo inventado… o que falta inventar é aquilo que está para além de imaginação… falta destruir tudo o que já foi feito e começar de novo… do inicio… começar algo novo, melhor ou pior é indiferente… eu posso achar que estou a evoluir mas de acordo com a tua luz estou a regredir… isso é tudo relativo…"


Mau. Ou já foi tudo inventado ou não. Se já foi tudo inventado para quê destruir com o propósito de descobrir novas coisas?!? E o que é que quererias dizer por "novas coisas"?? Qual é a novidade do séc XX? Tecnologia? Uau. Dá-me cá uma felicidade saber que tenho um computador com 2500 MHz... é mesmo isso. Se me derem um a 2600 ainda fico melhor! Coitados dos que usavam as primeiras rodas, esses tinham um martírio permanente... (ou não seriam felizes porque afinal até tinham uma roda?!?).


4.


"Tem piada definires-te como uma pessoa com fortes simpatias pela esquerda politica e no entanto seres tão conservador ao ponto de seres um dos pensadores mais fascista e reaccionário que conheço… "

Andas a ler o inimigo público meu malandro... "Zé Diogo Quintela é de direita mas defende a esquerda" ;). Eu defendo moderação. Acho que as políticas mais importantes a fazer hoje em dia são de esquerda. Estamos atrasados perante o mundo e não reconheço na direita o potencial para reformar o país. São, na sua maioria, burgueses, status quo oficiais, cheios de manias da moral e tradição sem conteúdo efectivo.


Já me alongo, mas resta-me dizer que tens razão num ponto. A DEScoberta, a DESconstrução, a libertação é boa no sentido de criar novas constantes, novos pontos de auto e mútua descoberta. Mudar é bom! Revolucionar nem tanto. Destruir também não. O caso mais paradigmático é o comunista que tentou revolucionar o mundo, dando-lhe uma visão totalmente nova da vida, da sociedade, da religião e dos objectos em si! Revolucionar o Homem! Veja-se o resultado... é o que acontece-se quando se trai a memória e a tradição. (Aliás, os melhores exemplos de arte são aqueles que seguem uma tradição (!!), muito embora a tentem quebrar).

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