quinta-feira, março 24, 2005

Apocalipse

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“Eu” em primeiro lugar. «Eu, eu, e mais ninguém», diz Nínive, a grande cidade, no discurso arrasador de Sofonias. «Eu, eu, e fora de mim não há ninguém», diz a grande Babilónia, no corrosivo discurso de Isaías. «Eu fiz-me a mim mesmo», diz o Faraó do Egipto, no discurso condenatório de Ezequiel. Fica aqui bem expressa a nossa fraqueza: cada um de nós fechado no círculo do “eu”, que é ao mesmo tempo o “quem” e o “para quem”, vivendo em circuito fechado, assente numa auto-suficiência, sem Deus e sem ninguém. De resto, já sabemos que a modernidade abre com o célebre cogito cartesiano, que costumamos formular «Eu penso, logo existo», expressão de radical individualismo, segundo a qual Descartes julga que se põe no mundo com o seu pensamento, esquecendo-se do seu nascimento e da acção da sua mãe . Pensamento homossexual, que apaga o feminino, o nascimento, a casa. Apaga a geração dos corpos, mortais, e dedica-se à geração imortal das almas, das ideias.

Concepção do conceito.

Trata-se de uma operação estratégica de grande importância: negligenciando a geração materna, a filosofia apodera-se, no entanto, do imaginário do gerar – estar grávido, as dores de parto, dar à luz –, fazendo desse vocabulário o seu próprio léxico. Atente-se no “conceito”, claramente derivado de “conceber” . Há, porém, uma diferença de monta: a concepção materna destina-se a “dar à luz”, abrir, libertar; a concepção do conceito (Begriff) destina-se a “prender” (greifen) e a “com-preender” (begreifen) com as mãos do pensamento. É a katálêpsis de Zenão, assim explicada por Cícero: a mão aberta é a representação; a mão semi-aberta é o assentimento; o punho cerrado é a compreensão, enquanto “tomada de posse” (katálêpsis). Compare-se com a explicação do Talmud, que refere que o punho cerrado é a sabedoria do imbecil, que pensa que detém o mundo nas malhas da sua rede; quando a mão inicia o movimento de se abrir é como as pétalas de uma flor que se abre à vida: é assim que floresce a inteligência; quando a mão se abre completamente é a mão do sábio, que não retém nada, mas conhece o valor do encontro e do dom; cruzando agora as duas mãos abertas, ficamos com a imagem do “pássaro, livre, que voa” . A experiência e a sabedoria do nascimento ensina-me que “eu” não sou, antes de mais, o proprietário da relação que projecto, mas o destinatário de uma relação assimétrica que não sou “eu” a pôr, mas em que sou posto . Sem a sabedoria do feminino, do nascimento e da casa, o homem é um expatriado angustiado à mercê da morte (Heidegger).

Ao cogito cartesiano vem depois juntar-se o não menos famoso conatus essendi, que significa “esforço para permanecer no ser”, com que Espinosa explica que é próprio do indivíduo – o homem como o cão, a pedra, a árvore – lutar pela sua auto-conservação ou permanência (ou perseverança) no ser. É a chamada lei do mais forte, civilizadamente conhecida por lei da evolução das espécies.

Neste mundo em que impera o “eu”, o outro está quase sempre a mais, e não lhe é permitido ocupar senão três posições: uma coisa a possuir ou a deitar fora, um meio a utilizar para eu atingir os meus fins ou um rival a eliminar .

É aqui que podemos ainda compreender os idosos que atiramos lá para longe como coisas já sem nenhum valor; as crianças que não queremos que nasçam, porque são um impecilho ao nosso conforto e bem-estar, alguém que vem desarranjar o nosso mundo, tempo, horários, e até os nossos móveis e imóveis; os empregados que pomos na rua porque já não são suficientemente rentáveis: não são mais meio para os nossos fins; enfim os países ou as pessoas a quem fazemos guerra, porque estorvam a nossa vontade de poder, a nossa ambição e expansão ilimitadas.

A doença deste tempo reside neste “eu” fechado em si mesmo, que navega a sua parcela de um tempo esfacelado, atomizado, feito em cacos, incomunicável, órfão e castrado, vazio, que nada recebe e nada entrega. De ninguém e a ninguém. Um tempo esboroado em múltiplos fragmentos, sempre condenados a não serem senão fragmentos, isto é, que não se podem juntar, reunir, comunicar. Um tempo para se gastar. Como uma coisa. Como qualquer outra mercadoria à venda no super-mercado. Um tempo barato. Para usar e deitar fora. Um tempo sem liberdade e responsabilidade; portanto, sem história, isto é, sem interpelação nem resposta. Um tempo morto, deitado, fechado, horizontal. Como um espaço. Um tempo preenchido com pessoas, como o espaço está preenchido com objectos. Um tempo em que se deslocam pessoas, como no espaço se podem deslocar objectos. Um tempo como um espaço em que as pessoas como os objectos apenas mudam de lugar. Um tempo em que nada acontece. Um tempo vazio como um espaço vazio. Sem pais e sem filhos. Sem amor. Sem registos. Sem recitação. Sem re-lato. Sem corpo. Sem livro. Sem livro, portanto sem costura, sem dorso, sem dobra ou vinco na página, página alisada, portanto sem mensagem, sem comunicação, em que nenhum mensageiro chega a nenhum destinatário, nenhum narrador a nenhum narratário. Tudo desligado, nenhuma relação entre os acontecimentos, nenhuma relação entre as pessoas .

Chegamos assim à solidão. Solidão é viver só no meio de objectos. Quando transformamos os outros em objectos, estamos sós .
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Bonito né? Xi carapau, Rum bem forte. Dáaaí mais um bocadinho, Pirata, num guardes tudo pra ti!

4 comentários:

Anónimo disse...

bem se vê que és um desocupado de merda que tem tempo a mais para perder em parvoices....

vai trabalhar oh malandro!!! isso é coisa de maricas q ñ faz nada de util pra sociedade se ñ "pensar"... e pior... só pensar em coisas desinteressantes e vulgares....
roto! boiola! aposto q moras com a mamã e o papa!

Barba Rija disse...

Bem se vê que o anónimo é um cobarde de merda que se esconde atrás do não nome, da não pessoa, como se não existisse, como se não vivesse, não fosse humano.

Vade Retro, Legião!

PS: Para a informação de tudo o que é anónimo, tenho dormido quatro horas por dia e trabalhado que nem um cão. E com um prazer imenso!

Anónimo disse...

ser anónonimo tb é ser gente.... se andas a trabalhar deve ser no parque eduardo VII e pior... deves ser daquelas/es (confome o genero que prefiras ser referido) que dá muitas borlas... está mm na cara que para ti trabalho é cu!

Barba Rija disse...

Não confundas desejo com realidade, vai bater punhetas à conta de outro ó paneleiro de merda!