sábado, janeiro 29, 2005

A utilidade do futebol

Não deixa de ser uma pergunta que de vez em quando bate na minha cabeça como uma pedra. Para que é que serve aquela merda? Também vi um pouco do jogo às três pancadas, pareceu-me que o Sporting merecia mais ganhar, nem que seja porque a arrogância perene e sempre presente do Benfica (o maior clube do mundo, quiçá da Europa!) me irrita constantemente. Mas aquilo que assisti com maior regularidade foram as emoções das pessoas que viam o jogo e quando a sua equipa conseguia meter uma bola dentro de uma rede gritavam e esbracejavam, quais macacos e macaquinhas, parecia o National Geographic live. Quando o inverso acontecia, mãos na cabeça e desilusão.

Não me tome o leitor por um "afastado" das lides do futebol, ausente destes rituais pagãos como muito bem descreveu a fartura, como se eu fosse um Saramago e vivesse numa ilha quase deserta, donde as minhas escritas se emanassem como se do lado de fora da humanidade. Não sou hipócrita! Muito pelo contrário, interesso-me por estas coisas, e aproveito o facto de o meu clube não ter estado presente (e por conseguinte, as minhas emoções também não) para ter presenciado um ritual de fora.

E pergunto-me: qual a utilidade do futebol? Uma pergunta que ultrapassa o simplismo de responder "entretenimento", pois isso é coisa que não existe. Um bom filme é sempre mais que entretenimento, um bom jantar entre amigos, uma saída, uma dança, uma viagem ao Porto. Não pense também o leitor que me passa pela cabeça perguntar qual o sentido da vida nestas palavras. Pergunto qual o sentido destas coisas na nossa vida. O que faz o futebol? Tento responder, ou melhor esboçar uma resposta...

Guerra.
Luta.
Duelo.

Conceitos interessantes. A dualidade do confronto. É um encontro, que giro. Um encontro entre personalidades de grupo, aka Clubes desportivos. Cada clube a sua personalidade, a sua garra, a sua terra. Antes, cada homem era membro do clube da sua terra. Hoje não mais, cada homem ao clube que "mais" gosta, fruto da desterritorialização do mundo, aka globalização. Então, restam as personalidades do clube, que lutam contra outras personalidades. Repare-se na incongruência. Se houver outro clube que de repente represente melhor a personalidade que admiramos, tornamo-nos adeptos desse clube? A resposta é sim. Veja-se o meu caso, em que me tornei semi-adepto (embora de longe) do Chelsea. O que nos mantém no "nosso" clube é outra coisa também, a nossa teimosia da coerência, da autenticidade. Algo da verdade. Se há coisa que não suportamos é alguém que se diz benfiquista num momento (da vitória) e portista no momento a seguir.

O futebol é teatro. Teatro de clubes representado personalidades que nos representam. É uma representação de representação de representações. Um simulacro, que não nos afecta directamente, mas com um enorme impacto nas nossas vidas. Porque é que nos deixamos abater quando uma Grécia ganha a Portugal? Porque é que nos deixamos sequer depender de tal resultado? Não deveríamos aspirar à liberdade? Acreditamos que somos aquele que nos representa, e se essa representação perde, entristecemos, talvez porque no nosso inconsciente deixamos de acreditar um pouquinho nas nossas capacidades. Sentimo-nos um pouco mais fraco.(Talvez a resposta à crise portuguesa fosse a vitória do Benfica na superliga! (Porra!))

É emocionante. O que ontem perguntei foi outra coisa no entanto. O que vai na mente de uma pessoa como o Mourinho, ou o Ronaldo, ou o Deco, etc? Realmente acreditam no que fazem como útil? Impossível. Não criam riqueza, apenas a extraem dos adeptos. Mas como é que tal sucção vampiresca atrai personalidades ao mesmo tempo tão intensas, preserverantes, verdadeiras e honestas, lutadoras, tudo valores ao que associamos ao bem?

Não interessa a utilidade, foi a resposta. O que interessa é no momento termos sido feitos para aquilo. Aquele momento em que sentimos que toda a nossa vida fez sentido para nos colocar naquele relvado contra aquele adversário, e nem pensamos naquilo que fazemos, nem sequer o fazemos, Somo-lo. E é esta totalidade de espírito, de aspiração divina à totalidade do momento que os inspira e os faz humanos. Invejo-os de certo modo! A utilidade das coisas nem sequer é uma pergunta que se deveria fazer. Haverá sempre inutilidades na nossa vida, às quais investimos muitas vezes a totalidade do nosso ser, e é engraçado reparar que costuma ser no campo das inutilidades que colocamos a segurança da nossa existência, a nossa morada, o nosso refúgio.

É bom ver esta totalidade, testemunhá-la, nem que seja numa formatação televisiva, é bom ver que estas coisas existem de facto. Mas será infinitamente melhor vivê-la, e duvido que se consiga isso como adepto.

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