domingo, janeiro 16, 2005

José Gil

, filósofo, considerado pela "Nouvel Observateur" como um dos "25 grandes pensadores de todo o mundo". Ouçamos o que nos tem para dizer...

Depois da leitura do seu livro, "Portugal, Hoje - O medo de existir" é impossível não se ficar deprimido - "Hesitei muito antes de o publicar. Decidi fazê-lo, porque acho que estas coisas devem-se dizer publicamente..."

Em Portugal a inveja não é um sentimento, é um sistema

"... os acontecimentos não influenciam a nossa vida, é como se não acontecessem. Por exemplo, quando uma pessoa ama, esse sentimento não afecta a outra pessoa, objecto do amor. Quando acabamos de ver um espectáculo, não falamos sobre ele. Quando muito, dizemos que gostámos ou não gostámos, mais nada. Não tem nenhum efeito nas nossas vidas, não se inscreve nelas, não as transforma. Ainda outro exemplo: o primeiro-ministro, Santana Lopes, classificou a dissolução da Assembleia da República pelo Presidente como "enigmática". Não disse que era incorrecta ou injusta, mas "enigmática", o que é a forma mais eficaz de a transformar em não-acontecimento."

E, não tendo acontecido, ninguém é responsável
"Exactamente. Pode-se continuar como se nada se tivesse passado. Os acontecimentos não se inscrevem em nós, nem nas nossas vidas, nem nós nos inscrevemos na História. Por isso, em Portugal nada acontece."

Isso vem de onde?
"Do medo. E da falta da ideia de futuro. Vivemos num presente que se perpetua."
(...)
"Nós temos uma pobreza enorme de expressão em relação à nossa existência."

Não pode sentir, porque não o pode exprimir?
"Sim. A expressão abre para o fundo, não apenas para fora.Mas nós estamos agarrados a um texto e não temos forças para sair dele."
"É o texto da sociedade normalizada, do bom senso, do política, social e afectivamente correcto(...) Temos um texto que nos diz o que podemos viver.

É o medo que nos impede de rasgar esse texto?
"Nós temos medo de experimentar. Porque temos medo do que irão dizer de nós. Partimos sempre do princípio de que o que vão dizer é negativo, desvalorizante.(...) Isso cria logo um medo que nos paralisa. Faz com que tenhamos prudência. Bom senso.

Mas a prudência e o bom senso poderiam ser atitudes positivas, para nos guiarem na acção...
"Qual acção? A prudência paralisa a acção."(...)
"A verdadeira prudência seria uma estratégia para medir e modular a acção, à medida que ela se desenrola. Mas nós não queremos é agir. Porque a sociedade portuguesa, ao contrário de outras, é fechada, não tem canais de ar, respirações possíveis. É uma sociedade suavemente paranóica. As pessoas estão demasiado conscientes de si próprias, o que é um horror. Conscientes da imagem que possam produzir, da sua presença como imagem nos outros. Isso é paralisante."
"É uma obsessão. Estamos sempre a falar da auto-estima, esse termo horroroso."

O que há de errado com a auto-estima?
Essa ideia reflexiva, de nos amarmos a nós próprios... Em vez de estarmos virados para fora, para os outros, para o mundo. Só nos podermos afirmar agindo, exprimindo-nos - não voltando.nos para a autocomplacência. Tudo o que é válido vem "de fora".Nós ainda temos essa ideia de que é preciso começar por uma transformação interior... Mas, em Portugal, não existe um "fora".

Isso que dizer que não existe um espaço público?
"Não, não existe. O salazarismo extinguiu-o.(...) Toda a nossa expressão individual , social, passou a reduzir-se ao discurso político. E no espaço público instalou-se em força um dispositivo que ocupou o lugar todo: a televisão, e os "media" em geral.

Os "media" não são espaço público? Funcionam em circuito fechado?
"(...)Têm uma acção de absorção. Só se existe se se aparecer na televisão. Mas estar e aparecer na televisão não é a mesma coisa do que viver a vida, na materialidade das ruas e do tempo."(...)
"Com certeza que nã se vai voltar atrás. Mas é preciso recuperar aquilo que nos é sugado por esse espaço de imagem e que é a vida dos corpos. Os acontecimentos da existência, no que têm de invenção. Na televisão tudo está formatado, não há imprevisto, encontro. O acontecimento é o resultado de um encontro. Mas nós temos medo do acontecimento. Medo da mudança, medo do futuro, medo do julgamento dos outros, medo de não sermos capazes. Medo de não estar à altura do acontecimento."
(...)
"Uma vez assisti a uma entrevista com o jovem físico português, João Magueijo, que vive em Inglaterra. A repórter perguntava-lhe: "Você trabalha com matemática, não em laboratórios. Não podia ter descoberto essas teorias em Portugal?" E ele respondeu imediatamente: "De maneira nenhuma. Sabe porquê? Por causa da intensidade das trocas de pensamento em que eu vivo quotidianamente. É isso que me faz pensar".

A nossa incapacidade vem do medo...
"O mecanismo da inveja (...). Imagine que você chega ao pé dos seus colegas e diz: "Fiz uma reportagem extraordinária!" E não está a falar por vaidade, mas objectivamente. Mas logo o tipo que está ao seu lado diz: "Ai sim? Pois muito bem." E com este tom introduz em si um afecto inconsciente que o vai paralisar."
"A inveja é mais do que um sentimento, é um sistema. E não é apenas individual: criam-se grupos de inveja. Várias pessoas manifestam-se simultaneamente contra a sua iniciativa. Cria-se um ambiente de inveja."
"Vivemos reconhecendo-nos como irmãos na desgraça."
"Se você faz alguma coisa de forte, isso deveria ser um estímulo para mim, para fazer algo também forte. Mas não. Vê-lo forte diminui-me a mim. Vê-lo com intensidade, com iniciativa, faz-me pensar, por causa da imagem que tenho de mim, na minha pobre condição, em que não faço nada. E faço tudo para destruir a sua iniciativa, para que eu possa viver. Você sufoca-me com a sua energia. (...) E o resultado é que estamos todos sem energia."


O original era muito grande. Ficam estes pequenos excertos.

in Pública nº 451, "Ideias fortes", entrevista a José Gil, pp 5-9

1 comentário:

Fartura disse...

Como sempre a minha primeira reacção ao ler um texto é descordar em absoluto, de pensar mal e de por ai fora, a segunda foi voltar a ler (até pq da 1ª leitura tinham ficado algumas ideias fortes com que concordava)o q mudou um pouco a minha opinião....

Se bem que continue a ñ concordar plenamente com o senhor (do ql confesso nunca ter ouvido falar!!) acho que a ideia que Portugal ñ está melhor pq os Portugueses ñ acreditam que ele pode estar melhor é uma grande verdade...


Muitas vezes é a mentalidade velho do restelo que faz com que este pais ñ avance um pouco mais.. a falta de orgulho nacional.. (no euro bem se viu a vergonha de milhares de portugueses e portuguesas que não sabiam cantar o hino!) todos os dias lido com esse tipo de mentalidade no meu trabalho... eu tento criar qq coisa de novo.. qq coisa que acredito ser benefico não so para mim mas para todos os portugueses... sabes que se o projecto pelo ql luto todos os dias fosse apresentado em espanha por esta altura já era um best seller e estava implementado em milhares de km de estrada portuguesas..... isto pq "os estrangeiros sabem o que fazem!!e têm as coisa todas direitinhas" este tipo de metalidades é tipico de um pais que durante decadas viveu atrasado em relação ao mundo e sob regimes sucessivos que lhe diminuiram a auto estima... Por muito que me custe dizer isto, o povo portugues é um povo que não sabe aproveitar a liberdade que goza.. é uma criança que ñ sabe brincar e que invariavelmente se aleija no processo.. dai a constante necessidade de um D. Sebastiao salvador que nos proteja... a cultura do super heroi que aparece e resolve todos os problemas possiveis e imaginarios... desde a visinha de cima que gosta de mudar os moveis as 3 da manha até aos problemas macroeconomicos do fim do modelo actual de segurança social por volta de 2010.... um mega policia que consegue adivinhar aquilo que sentimos no intimo dos nossos corações mas que ñ dizemos a ninguem... no fundo é com isso que todos sonhamos... que um dia acordemos mais magros, mais bonitos e charmosos... que de repente acordemos inteligentes e ricos devido ao euro milhoes... os nossos probelmas todos resolvidos e sem q ninguem tenha que se esforçar por isso... toda a gente mantem alguns dos sonhos de criança... mas poucos têm coragem de correr atras deles... e ainda menos têm coragem de correr atras dos sonhos dos outros!!!! e tudo isto de um povo que se gaba de ser esperto.. mais esperto do que os outros...de fugir aos impostos... de bater na mulher ao domingo qdo o benfica perde... de declarar o ordenado minimo e ter os filhos a estudar no colégio frances... é exactamente esse mesmo tipo que se queixa que as coisas em Pt ñ funcionam... da mesma forma q é o tipo que vai passar 15 dias de alto luxo para moçambique é o mm tipo que paga o ordenado minimo aos seus empregados e diz que já é muito bom.... é a cosnciencia dos "tugas" que tem q mudar se querem que o pais mude.... e eu estou a fazer a minha parte... e tu??