segunda-feira, setembro 10, 2007

Game. Set.


Para mim o personagem da década. Imagino o vosso pensamento algo curioso e jucoso perante tal afirmação, pelo que passo a explicar-me. Não vejo, nesta década, outro personagem global tão misterioso, tão poderoso, tão temido, pois desconhecido, tão desrespeitado, incompreendido, tão alvo de crítica e definições pouco generosas, porém tão pouco ouvido de facto, tão invisível por detrás da retórica ocidental, tão pouco debatido, tão tido como facto perene, do tipo lá está outro Czar. Qualquer discussão sobre o homem não se baseia nos critérios aos quais subjugamos todos os outros, colocamos sempre um filtro místico de desumanidade sobre a sua face, proporcional à frieza aparente da sua personalidade.

E no entanto, a leste de todos estas indiferenças e ignorâncias, é o personagem mais interessante de toda esta geração de políticos.

É um líder de derrotados. Não nos podemos esquecer disto. Putin pega num país agastado, humilhado, roubado, violado, estripado e sem esperança, onde o consumo de vodka era superior ao da gasolina. Putin pega num país tresmalhado pela máfia, controladora dos recursos energéticos e de toda a economia de mais valor russa. Putin pega num país com um exército pobre e um arsenal imenso. Putin encabeça um país que acaba de ir ao chão. Porém estamos a falar de um cinturão negro de judo treinado no KGB. Autêntico desporto de quedas, aprende-se sobretudo a ignorar as lesões. A reerguer-se. A reconfrontar. A ganhar.
A desinformação é, no entanto, fulgurante.

Em oito anos, levanta um país. Olham-no de soslaio;


Estripa-o da máfia. Chamam-no de déspota e desumano;

Força a compra dos recursos energéticos pelo seu preço justo, mais de dez vezes aquilo que os abutres tinham pago à mãe rússia. Chamam-no de comunista;

Faz um teste com um submarino que é (acidentalmente) afundado por americanos, abafa o assunto, dá a cara, responsabiliza-se e em troca consegue o perdão da dívida americana. Chamam-no de incompetente;

Copia a Inglaterra e a Espanha e estabiliza o estado com a supressão da rebeldia tchetchénia, e chamam-no de tirano;

Exige de países contíguos que paguem o devido valor pela energia que todos os restantes pagam, e acusam-no de imperialista;

Critica a invasão ao Iraque e apelidam-no de anti-americano, arrogante;

Colocam-lhe mísseis à porta, reconstitui os voos estratégicos que os americanos e ingleses nunca abandonaram. Chamam-lhe agressivo;

Criticam a sua democracia, e por ironia é nos encontros G8 no meio da "civilização democrática" que a polícia se revela mais brutal que em qualquer outro ponto.

Entretanto, a sua dignidade é inabalável a todos os "escândalos". A sua certeza é a de alguém que já viu o futuro. A de alguém que já viu o desenrolar das peças no xadrez mundial. O seu olhar o de alguém que vê a rede a apertar-se cada vez mais à sua volta, o de um lutador que observa os rivais a aproximarem-se. O de um Rei que vê várias raínhas a ameaçarem mate, e ao invés de temer por si, teme por quem com tanta confiança a si avança. Um olhar de quem já quase perdeu o gosto pelo jogo, e no entanto, mais concentrado que nunca. A sua postura, no fundo, a de quem apenas teme a loucura dos outros. Aquele que apenas teme que esses se apercebam do óbvio e enlouqueçam, pressem demasiados gatilhos no desespero e partam o tabuleiro antes do fim do jogo.

Medo dos que não aceitem que o jogo já acabou e que a Rússia já o ganhou.

Game. Set. Match.

6 comentários:

Лев Давидович disse...

A Russia vive um capitalismo selvagem e a miséria vive nas ruas.
Claro que é a personagem da década.

Barba Rija disse...

Está o cavalheiro a confundir personagem com pátria. Pois senão, por esse critério, o senhor Bush seria um dos melhores seres humanos da história. Para mim, liderar um país como a rússia e não decaír na bebedeira compulsiva já é d'homem. Quanto mais reerguê-la das cinzas e dar-lhe um rumo.

E colocar de novo o mundo em xeque. Para mim, assemelha-se a um Mourinho.

Resta uma pergunta. Quem instaurou o capitalismo selvagem? Com que ajudas?

Fartura disse...

julgo q uma questão pertinente seria a comparação da (re)ascensão russao, quando comparada com a queda fulminate dos chamados "tigres da malásia" o adiar da prometida ascensão explosiva da china (continua a ser probutos de baixa qualidade, baixa complexidade, baixo preço) vrs a ascensão progressiva metódica e controlada da india - produtos altamnete tecnologicos, de elevada qualidade e com grandes mais valias
INDIA - no meu entender a proxima verdadeira potencia economica do mundo).


Certo que o sr. Putin conseguiu grandes feitos, e teve algumas vitórias importantes, mas pra isso teve a ajuda de uma escola sovietica, e de uma mentalidade instaurada de grandeza e complexo de superioridade que decadas de socialismo auto imposto deixaram, até que ponto isso não o faz embarcar o bom povo russo num Dom Sebastianismo credulo que desperta em cada coração aquilo que ele tem de melhor ( e de pior...)?

o povo russo vive bebado pela liberdade conquistada... um pouco como se tivessem acordado de um sonho em que nadas lhes era permitido, pra um sonho em que são totalmente livres... com todos os vicios da razão que isso implica. Um povo que durante decadas viveu habituado a q pensem por eles, a q exista uma unica doutrina corecta, e todas as outras erradas ( um pouco orgulhosamente sós) qdo embriagado pela liberdade perde totamente os parametros de correto e de errado.

Julgo q o sr Putin só soube aproveitar um momento historico muito oportuno, e soube liderar uma grande nação adormecida...

(o mérito está na india!!)

Barba Rija disse...

Percebo o que dizes da Índia, mas não lhe prevejo grande futuro. O preço da energia só tem uma direcção, e de longe o país com maiores recursos energéticos (petróleo mais gás) é a Rússia.

Cada vez mais aquele país terá todos os outros pelo pescoço, e na crise que aí antevejo, é o país mais bem colocado para lhe sobreviver.

Ainda mais, não antevejo grande futuro na Índia, tão pouco na China, com uma energia demasiado cara.

Mas posso estar enganado!

Seja como for, isto descamba numa discussão entre países. Interessa-me no entanto a personalidade Putin. Extraordinária, para mim. Leiam as suas entrevistas. O homem é inteligentíssimo, e, mais raro, incrivelmente honesto nas suas respostas. Mas não fiquem pelo que digo, vejam vós mesmos!

Лев Давидович disse...

Tenho sérias dúvidas quanto ao rumo.
Tenho ainda mais relutâncias em aceitar a frase:"Para mim, liderar um país como a rússia e não decaír na bebedeira compulsiva já é d'homem."
Mas atenção: não estamos a falar de uma desgraça governativa. A escolha é que me levanta duvidas.

Barba Rija disse...

Bem vejamos, 80% popularidade, crescimento económico na casa dos 7% ao ano, salários na casa dos 12% ao ano (540$ em 2006 de 96$ em 1999), diminuição da pobreza, sabedoria na compra de recursos energéticos (em 2000 o preço do petróleo andava na casa dos 15, 20 dolares), descentralização do poder através da maior concentração deste nas câmaras locais (sim, este fenómeno conhecido dos portugueses só é conhecido na Rússia através de Putin), as dívidas externas (brutais) estão praticamente pagas, existe uma luta incessante (embora difícil) contra a corrupção de colarinho branco ...

Não consigo compreender a relutância da "escolha". Parece-me incrivelmente melhor do que qualquer "inocente" como Gorbachev, ou ceguetas como Khrushchev (ou bêbados como Ieltsin).

Hei de desenvolver o assunto. Parece-me que o ártico será um mar muito mais importante economicamente nas décadas que virão, o aquecimento global trará condições mais favoráveis ao território siberiano (ao passo que a Índia terá imensas dificuldades com o desgaste do gelo dos himalaias...)