quarta-feira, dezembro 22, 2004

Tudo é trágico

"Aprendi que não há diferença. Nenhuma diferença entre a comédia e a tragédia. O que se passa não é que uma coisa seja cómica e outra trágica. Tudo é trágico. Há pessoas que vêem tragicamente a vida, e compreendem a sua tragédia, e há outras que vêem a tragédia de uma forma tão ... trágica que, então, dizem piadas e riem-se, porque não sabem como lidar com isso de outra maneira. A alternativa seria matarem-se, mas não o fazem. A vida é trágica, para todos. Se virmos O Ladrão de Bicicletas [filme de Vittorio de Sica], ou O Sétimo Selo [de Ingmar Berngman], filmes trágicos sobre a vida, a morte, a tristeza, e, depois, formos ver um filme de Fred Astaire é maravilhoso, porque é uma forma de nos escaparmos. Mas são ambos trágicos: um é tragédia e explora isso dramaticamente e o outro tenta negar a tragédia e escapar-lhe, savendo que só o consegue por uns momentos. No fim de contas, tudo é trágico.

Mas de onde vem essa tragédia todas, nas nossas vidas?
"A tragédia vem da falta de sentido. Com os avanços da ciência, parece-me cada vez mais claro que tudo que existe está aqui por acaso. É tudo completamente aleatório, sem um sentido, sem uma razão, um objectivo. Nada tem sentido. Vivemos a nossa vida, morremos e, depois, nada restará. A longo prazo, tudo pode acabar: deixa de haver ar, existência, vida - não há mais beethoven, tudo o que nós julgamos que é imortal. Tudo isso vai desaparecer. Nada restará. Zero.
(...)
"«Toda a gente sabe a mesma verdade sobre a vida; e as nossas vidas consistem em escolher maneiras diferentes de distorcermos essa verdade.»
(...)
"É muito importante continuarmos a enganar-nos a nós próprios. Temos as nossas estratégias: distraímo-nos com uma relação amorosa, distraímo-nos a ver televisão... Qualquer coisa que nos impeça de pensarmos em que situação estamos metidos. E inventamos problemas triviais para nos entretermos (...) Coisas muito dolorosas para nós mas que, afinal, não são comparáveis ao verdadeiro terror com que toda a gente lida, ao longo das suas vidas."
Woody Allen in Visão nº 616, 23 dezembro 2004, pp. 105-109

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