quarta-feira, dezembro 21, 2005

Liberdade e Utopia

«A liberdade, Sancho, é um dos mais preciosos bens que os céus jamais deram aos homens; nem os tesouros que a terra encerra e que o mar cobre são comparáveis a ela; para a liberdade, como para a honra, pode-se e deve-se pôr em risco a vida»

D. Quixote

A liberdade é um fenómeno de satisfação de um desejo. Se um filho deseja sair à noite e o pai não deixa, a sua fúria é apenas o sinal da sua insatisfação desse desejo: a sua falta de liberdade. A liberdade é também, paradoxalmente, o maior desejo da sociedade actual, que luta por ela. Deseja-se ter a liberdade de possuir ou alcançar a liberdade. Deseja-se a liberdade de termos a liberdade de ver satisfeitos os nossos desejos.

Este desejo é aquele que comanda hoje em dia a sociedade, aquele que quer libertar a opção dos casamentos homossexuais, a opção do aborto, a opção da eutanásia, a opção de termos realmente uma voz na sociedade, a opção da democracia, a opção da feminização do mundo, a opção de podermos usar embriões na ciência, a opção de libertar o Homem das suas prisões, das suas amarras modernas.

Mas o que alimenta o Homem deste desejo? Não é óbvio que os rebuçados que nos deram enquanto crianças (e nos satisfaziam) não nos são já suficientes? Não é óbvio que uma pessoa que lute por uma casa e finalmente a obtenha se sinta insatisfeita com isso e ponha em prática um novo plano para comprar um iate? Será que não é óbvio que sempre que os planos são cumpridos, sabe a pouco? Não, nada disso basta, poderíamos ter o sucesso que pretendíamos, e dizer: «em Roma apoteose, e com isso?»

Lembrar-me-ia de outra frase: «O que um Homem busca nos prazeres é um infinito, e ninguém renunciaria jamais à esperança de alcançar esta finalidade» (Pavese) Claro que isto é questionável. Existe muita gente que já renunciou à hipótese do infinito, ela é irracional. Mas não terá esta gente desistido da sua "Liberdade"?

A Liberdade "prende-se" sempre com um desejo do Bem, e na nossa aderência a esse Bem! Só sou livre quando me sinto EU, ou seja, quando persigo na minha liberdade aquele Bem que desejo, que está no infinito. (Faltará a satisfação desse Bem na minha vida? E que Bem será esse que não o Amor? Então o meu desejo é simplesmente ser amado?)

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Todas as Utopias são um desejo. São um sonho que um Homem um dia teve, e que deseja satisfazer, cumprir na realidade. O desejo de uma sociedade fraterna e comunista, por exemplo. Ou o desejo de uma sociedade livre em que todos façam aquilo que entenderem, por outro exemplo. Ou o desejo de uma sociedade hierarquizada e ordenada. Ou etc. Dadas tantas utopias a escolher, como escolher?

A Liberdade é a adesão de uma escolha. A escolha de um Bem. No outro dia, ouvi uma mulher a contar que tinha feito um dia uma certa pergunta. Estava indecisa: gostava de dois Homens e não sabia com quem passar o resto da sua vida. Tinha a alegria de poder amar alguém mas o medo de perder o amor do outro. Esperava que lhe indicassem um critério, uma maneira de avaliar, qualquer coisa que desempatasse a questão. Responderam-lhe: "a solução que deves escolher é aquela que te permite não perder nenhum amor". Antes ganhar os dois.

Parece paradoxal e inverosímil mas é a única boa resposta, é a única que nos preenche. É a única Utopia pela qual vale a pena lutar e "pôr em risco a vida". É Anti-Maquiavélico, pois não rescinde de nenhum Bem por outro. É com este critério que proponho que nos coloquemos perante todas as questões da nossa vida, essa verdadeira Utopia. Difícil? Diria impossível, mas a única realmente verdadeira.

E não, este não é um post sobre o relativismo, embora roce na minha crítica ao mesmo, nem tão pouco ao Aborto ou à Eutanásia ou outras mesquinhices, é sim um apanágio à Liberdade, tema tão a propósito numa quadra de Natal, onde muitos festejam o nascimento da revelação da mesma.

Feliz e Belo Natal (Livre!) para todos vós

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